quarta-feira, setembro 8

O peso do silêncio


A revista Com’Out pede para escrevermos um artigo sobre “como é ser LGBT no sítio onde moramos/crescemos”. Não sei realmente o que pensam as outras pessoas como eu, mas a verdade é que sinto-me muitas vezes uma estrangeira, tanta na minha terra actual, como naquela em que cresci. Nunca se chega a estar completamente enquadrada e são pouquíssimas as pessoas que verdadeiramente nos aceitam. Conter os gestos, as palavras, os pensamentos, as vivências…porque há sempre a opressão dos Outros, o medo das suas reacções, é castrador. Colocam-nos uma nikab, que sendo invisível aos olhos, não o é “cá dentro”. Ser diferente não é fácil, é preciso grande resistência. O silêncio pesa, rói, deixa na boca um sabor amargo, um grito que ricocheteia cá dentro.  Quebrar o silêncio não é simples. O casamento civil homossexual trouxe alguma dignidade pública às nossas relações, manchadas há séculos. Mas as pessoas têm medo de falar alto e neste grupo, infelizmente, me incluo. Os famosos falam alto, mas esses são intocáveis. O medo acovarda e aprisiona. Vive-se de segredos e de pequenas mentiras, porque a verdade incomoda a muita gente. Aos poucos, vou desafiando o meu destino, as minhas limitações e desejos. Quando chegar o tempo de andar de mão dada com a minha mulher sem ninguém olhando para nós, será uma vitória, ganharemos o direito à indiferença. Quebrar o silêncio era tão bom!
Maria

2 comentários:

Valsa Lenta disse...

Não é fácil, e sei do que fala e sinto o que sente.Tenho uma relação com uma mulher - se bem que - uma relação escondida, encoberta. Causa sofrimento e muito.
Ela tem uma menina de 8 anos e por essa razão não moramos na mesma casa. Dói muito e sei o quanto precisa da minha presença. O nosso dia é como o de qualquer outro mortal - embora, e infelizmente, as pessoas vejam apenas o aspecto sexual da questão - tornando a relação entre pessoas do mesmo sexo, como anti-natura, algo sujo e até dizem que as pessoas pensam no seu próprio prazer e pouco no prazer do parceiro. Nada mais vil e enganador. Somos pessoas de valor e com valores morais e éticos. Peço desculpa por me alongar desta forma. Mas o cansaço é muito e talvez me tenha apetecido "conversar" um pouco.
Felicidades

Maria

Under Skin disse...

Olá,
Sinta-se à vontade para conversar sempre que precisar, pois é sempre bom falar com pessoas que entendem os nossos sentimentos. Há já algum tempo que deixei de preocupar-me "demasiado" com o que os Outros pensam, e passei a olhar mais para mim, para a minha felicidade. O que pensam da minha relação passa-me ao lado, pois sei que é bonita e pura, a acima de tudo, faz-me feliz. Quem não consegue olhar para o seu umbigo,jamais conseguirá enxergar bem os outros. Mas enfim, a sociedade é assim, há que ter paciência enquanto se transforma. Deve ser-lhe custoso viver numa casa separada da sua amada, pois quem ama sente a necessidade de partilhar tudo. Mas o tempo é generoso e a esperança ajuda a construir um futuro mais promissor.
Tenha em nós duas amigas sempre que precisar,
Maria

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